Debate sobre compacidade, estrutura borromeana, banda de Möbius, toro, superfícies topológicas. Essa mesa, segundo psicanalistas presentes, atualizou a psicanálise.
Diz-curso de uma análise
A proposição central do L’étourdit é uma proposição singular, deslocada e absolutamente original que é ab-sens, ausência de sentido, ao fazer um reviramento negativo pelo lado do non-sens. Ausência de sentido quer dizer positivamente sens ab-sexe, isto é, o real como tendo uma ausência de sentido que é a de que não há relação, na ocorrência de relação sexual, sendo esta a fórmula sintática do sentido ab-sexo.
A maior importância desta proposição é que ela funda a possibilidade do matema, da transmissão integral da fórmula. A função do real no saber é portar a ausência. O que é transmissível é uma inscrição de ausência como sens ab-sexe, sentido ab-sexo. A relação ao real proposta por Lacan como sendo do discurso do analista é a do sentido de um saber enquanto sentido ab-sexo. Enquanto a relação filosófica ao real comparece no registro da verdade como symptôme da filosofia, Lacan baseia-se na validade, na pertinência ou força da categoria de ab-sens ou de sens ab-sexe. Mais precisamente se baseia na afirmativa segundo a qual a psicanálise, em sua experiência do sexo, do ab-sexo, reencontra um real que desloca os efeitos de sentido, ao ponto de poder afirmar que há um registro do sentido que não é nem a afirmação do sentido, nem sua negação. A experiência analítica é suposta pela abertura de um espaço entre sentido e não-sentido, que requer o ato analítico para que se instale.
No Seminário O momento de concluir Pierre Soury no encontro de 14 de março de 1978 desenvolve a diferença entre a abertura do toro e sua reversão. Soury distingue a perfuração como um gesto que abre a superfície ao longo de um círculo redutível e o corte que acrescento “como um ato analítico” que abre a superfície ao longo de um círculo não redutível, um corresponde ao círculo concêntrico e o outro ao círculo longitudinal.
A reversão do toro passa a ser motivo de exame quando Lacan produz uma escritura do nó borromeano a partir do toro, em que cada uma das cordas que compõem círculos helicoidais constituem o nó borromeano e podem ser consideradas como toro.
O buraco central da estrutura borromeana em que se inscreve o objeto a é o ponto triplo em que a estrutura muda completamente a função de ponto. Este ponto triplo contorna um lugar vazio irredutível submetido à dinâmica dos nós que responde a uma lógica de cunhagem. A topologia na medida em que estrutura o vazio determina a dinâmica da relação do sujeito ao modo de gozar que lhe é singular. O tecido do gozo se encontra no nível do corte, pois se o corpo goza, este gozo somente se corporiza de modo significante, em que o sujeito é determinado pela sua relação ao objeto a. Lacan ao identificar o sujeito com a banda de Möbius que é corte do cross-cap, faz do sujeito corte de a.
A perfuração (trouage) se distingue do corte. A perfuração produz dois elementos em que um é utilizado no que venha a se constituir no dizer, enquanto o outro elemento é descartado, é resto, detrito. Já o corte ao dividir provoca um intervalo entre dois elementos: o espaço vazio introduzido pela separação se torna um elemento a se ater em trabalho de análise. Ao se cortar ao longo de um pequeno círculo, um círculo redutível, resta de uma parte um pequeno disco e resta de outra parte uma superfície com borda. O toro furado é uma superfície com borda. Se o toro é cortado ao longo de um círculo não-redutível, resta uma banda mais ou menos enodada e mais ou menos torcida. O que resta de um corte concêntrico ao buraco é uma banda que não está nem enodada nem torcida. De um corte longitudinal resta a mesma coisa.
A diferença é que no corte concêntrico há uma superfície somente com uma borda e no corte longitudinal há superfícies com duas bordas. Portanto, o toro cortado é uma banda mais ou menos enodada, mais ou menos torcida que engendra nós, não todos os nós e isto faz uma certa torção. O toro é condição do fantasma. O fantasma do corte é suficiente para manter o nó borromeano. A identificação do fantasma ao toro é o que justifica imaginar o reviramento do toro.
O Real é o tecido a ser imaginado. Há uma hiância entre o Imaginário e o Real. Entre estes há a inibição para imaginar. Não há nada mais difícil do que imaginar o Real. Há inibição porque o Real nos escapa diante da hiância entre o Imaginário e o Real. O tecido não é fácil de imaginar pois o tecido imaginário se encontra somente no corte.
O Imaginário, o Real e o Simbólico são três funções que se situam em uma trança borromeana em que há o que não é trançado. Se por um lado há uma banda de Möbius ordinária, por outro há uma banda de Möbius tríplice que é produzida,
A relação do Imaginário, do Simbólico e do Real se liga por essência à psicanálise. A primazia do tecido é precisamente o que se necessita para dar valor ao estofo de uma psicanálise. A hiância entre o Imaginário e o Real é uma via e a coisa ou La Chose é aquilo a que o psicanalista deve se ater, à coisa enquanto imaginada, o tecido enquanto representado. A diferença entre a representação e o objeto é capital, porque o objeto é alguma coisa que pode ter muitas apresentações (darstellen). Quando há corte na interseção entre Simbólico e Real onde se situa o recalque, momento em que as letras que restaram de “alíngua” como suporte da linguagem são aspiradas.
Somente a prática clínica pode vir a mostrar a reversão da banda de Möbius em final de análise. Relato de uma análise de 10 anos de duração que começou por 4 sessões, depois três, depois duas, depois uma. O corte ou o ato analítico se fez sobre um dizer da analisante: “Sou uma bordadora de letrinhas” para em final de análise haver a reversão em um outro dizer: “As letras me seguem”.
Avessamento da banda de Möbius? Corte longitudinal que desfaz o fantasma no toro pela reversão, pela inversão do procedimento ao estado inicial modal?





21 de novembro de 2024
Ivanisa Teitelroit Martins