Do Trieb ao Unbewusste: uma leitura do inconsciente

Há uma escuta nãotoda de um dizer?

“O fato de ter enunciado a palavra inconsciente, não é nada mais que poesia, com a qual se faz a história”

(Jacques Lacan, seminário Momento de Concluir, 1977, pág.31)

O inconsciente é um fato na medida em que se sustenta no próprio discurso que o estabelece, é um fato se os analistas forem capazes de um dizer de um efeito, que venha a fazer efeito, que tenha consequências.

Parte-se de um fio ideológico, aquele com que se tece a experiência instituída por Freud. Esse fio provém da trama que foi posta à prova na sustentação das ideologias de uma época. É desse fio que se parte para se sair dele, esse é o princípio do discurso psicanalítico, tal como este se articula.

A psicanálise não consiste em que se seja liberado de seus sinthomas pois foi assim que Lacan escreveu sintoma. A análise consiste em que se saiba por que se está enredado. Isso se produz pelo fato de haver o Simbólico. O Simbólico é a linguagem; aprende-se a falar e isso deixa traços. Isso traz consequências que é o sinthoma. A análise consiste em se dar conta de por quê se tem esses sinthomas, de sorte que a análise está ligada ao saber (Lacan, seminário Momento de Concluir, 1977).

A psicanálise é um fato social que se funda sobre o que se chama o pensamento (a-pensamento) que se exprime como se pode com lalíngua. Na análise não se pensa e é bem isso que se faz na associação dita livre. É nisso que consiste sonhar? Será que sonhamos sobre o sonho? Freud, em A Interpretação dos sonhos,pela associação livre, sobre o sonho, ele sonha (Lacan, seminário Momento de Concluir, 1978).

O dizer de Freud infere-se na lógica que toma como fonte o dito do inconsciente. É na medida em que Freud descobriu esse dito que ele ex-siste.

Lacan se dispõe a desbravar o estatuto de um discurso, livre de qualquer necessidade de grupo. Ao se renunciar ao discurso analítico há consequências: mede-se, calcula-se a obscenidade imaginária do efeito de um discurso. No entanto, a obscenidade é o que no discurso funda o real. Esse real é a própria obscenidade, aliás, o real a “vive” como grupo. Viver em grupo não é o que importa, mas viver de outro modo que não em grupo, na posição do analista tal como definida pelo discurso analítico.

Um analista não pretende outra coisa senão fazer um dizer ocupar o lugar do real até se provar que há um outro melhor. Essa diz-mensão de um impossível que chega a compreender o impasse propriamente lógico é o que se chama de estrutura, o que nos manteria no campo da lógica. Pelo contrário, a estrutura é o real que emerge na linguagem. A linguagem somente designa a estrutura pela qual há efeito de linguagem. O analista, ele mesmo, é rejeitado por seu discurso, no que este o situa, como dejeto da linguagem.

A análise se fundamenta no sujeito suposto saber, supõe que ele questione o saber, razão pela qual é melhor que ele saiba alguma coisa. A ciência deixou de lado a suposição. O dizer que se impõe não como um modelo, mas com o propósito de articular topologicamente o próprio discurso, provém de um defeito no universo, que o discurso analítico não pretende preencher. Uma topologia se faz necessária pelo fato de o real somente  reaparecer pelo discurso da análise, de modo a confirmar esse discurso, discurso em que se abre uma hiância que, ao se fechar, venha a revelar que esse real ex-siste.

A topologia não é teoria. A topologia deve dar conta de que haja cortes de discurso que modifiquem a estrutura que o sustenta originalmente. A análise explica a armadilha de um deslizamento analiticamente avalizado pela fantasia, quando evoca a sexualidade como metáfora, fazendo metonímica à vontade por seus acessos ditos pré-genitais, a serem lidos como extragenitais. Convoca-se o dizer à ex-sistência: um dizer do dito primário. A psicanálise se importa com esse dizer como uma questão preliminar.

Recorrer ao nãotodo, ao ahomenosum (hommoinsun – au-moins un), aos impasses da lógica, às ficções recorrentes produz uma outra fixão (fixion) do real do impossível que se fixa pela estrutura da linguagem para poder se livrar dos mitos de que o real se supre em tentativas de realizar o real.

A topologia pela imagem da banda de Möbius evita que a imaginação produzida por um outro dito articulado venha suprir o real. O dizer ultrapassa o dito, devendo ser tomado por ex-sistir ao dito mediante o qual o real ex-ist(ia). O corte é uma linha sem pontos na medida em que este é uma banda de Möbius em que uma de suas bordas, depois da volta com que ele se fecha continua na outra borda.

A repetição engendra o sujeito como efeito de corte ou como efeito do significante que está ligada à queda do objeto pequeno “a”. Se um ato se apresenta como corte, é na medida em que a incidência deste corte sobre a superfície topológica do sujeito modifica sua estrutura, ou pelo contrário, a deixa idêntica. Esse é o momento em que há um corte “cirúrgico” sobre a estrutura, que depende da experiência de quem exerce a função de analista. É nesse ponto em que há a ligação estrutural entre o ato e o registro da Verleugnung. No percurso de uma análise, atravessa-se um labirinto de efeitos, em que o sujeito não se reconhece como sujeito, por ter sido transformado por seu próprio ato. Cortes em análise não produzem um outro sentido, mas um ab-sens, uma ausência. Cortes desinflam o toro para fazer uma banda de Möbius, desinflam o dito para fazer um jogo de desmontagem. Desse modo, a evidência se esvazia, se remete a um nada. Há, então, uma queda do um da negação, do nada. Em O Aturdito Lacan diz o que é o corte e não diz o que é o dizer. O corte uma vez efetuado é o dito. O dizer se conclui com um corte que se fecha. Há cortes que são diferentes. Se o corte é o dizer então o dizer seria manejável. O que se atribui ao dizer é a mudança da estrutura. Em asferas o corte é o dito. Lacan não especifica de que corte ou cortes se trata. Eventualmente, o dizer se situa no movimento do corte ou na mudança de estrutura. O que interessa é o corte que muda a estrutura. O corte é ato analítico desde a entrada até o fim da análise.

13 de junho de 2023

Ivanisa Teitelroit Martins